
"A fada-menina"
Guardo-te, pequenina e frágil numa caixa de música poeirenta, as asas encolhidas com brilho de estrelas que descem do cabelo loiro e ondulado. As mãos em frente ao rosto, a inocência do teu semblante triste. Guardo-te, pequenina e frágil, uma mera recordação de anos passados e quase esquecidos. De tempos a tempos olho-te, os olhos vagos de desesperança, os pés cansados de viagens vãs. Pergunto-me que sonhos sonhava quando o meu rosto era o teu rosto e as minhas asas rasgadas eram tuas asas de estrela. Que sonhos alados segurava nas minhas mãos eternamente brancas.
As respostas, sei-as de cor. Conheço os mundos liláses que pintei nos meus anos de infância interrompida, conheço os vestidos com que me vesti, os livros com que forrei o meu coração, o rubor das faces que não se apagou com o passar dos anos e está perpetuado na minha imagem, na menina-fada que guardo preciosamente na caixa de música que já não existe senão na minha memória e que tentei queimar com o fogo da realidade humana.
Mas a menina que fui e que dorme, loira e bela envolta no brilho das estrelas ainda respira suavemente, ainda existe, uma memória viva nos confins da minh'alma. Deixo-a e parto. A realidade lá fora, os ventos uivantes da mentira esperam-me. Lanço-lhe um último olhar envergonhado cravado no momento que a adormeci para não a dilacerar.
Nos seus sonhos talvez ela me veja. Talvez ela saiba que a mulher que sonhou ser não passa de uma máscara desbotada. Rasguei todos os seus sonhos, todos os livros, todos os mundos liláses e abracei o mundo fétido com demasiada força, demasiada ânsia. Rasguei-me. Eles chamam-me lá fora. E ela dorme, a pequena fada-menina, o brilho de estrelas que vive no seu peito.
Silvia